terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Mãe e Filha: Rica simbologia

 por Edu Fernandes

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Apesar do crescimento evangélico dos últimos anos, o Brasil ainda é conhecido como o maior país católico do mundo. A fé cristã está tão arreigada à cultura nacional que os símbolos inseridos em Mãe e Filha saltam aos olhos.

Em um primeiro contato, a história tem um quê de macabro. Uma mulher volta para a casa de sua mãe no interior e leva consigo o cadáver de um bebê, seu filho. A avó trata o morto como se ele fosse um bebê saudável e se recusa a enterrá-lo. Pode parecer um disparate colocar símbolos cristãos em uma trama tão sombria, mas vale lembrar que os fiéis comungam nas missas católicas. No ritual, se consome simbolicamente o sangue e o corpo de Jesus.


Os próprios personagens representam a Santíssima Trindade. A mãe é o Pai (o Antigo Testamento e as leis primordiais), a filha é o Filho (que desafia alguns princípios antigos e traz uma nova verdade) e o bebê é o Espírito Santo (cuja manifestação é mais sutil e silenciosa).

A alegoria esbanja brasilidade, não só pelo cenário. Quatro vaqueiros tipicamente nordestinos fazem as vezes dos Cavaleiros do Apocalipse, por exemplo. Há muitos outros símbolos cuja identificação renderá uma boa conversa depois da sessão de cinema.

Entretanto, é necessário um aviso. O ritmo de Mãe e Filha é extremamente lento, portanto é preciso de bastante paciência. A dica é aproveitar o tempo alongado para tentar capturar o maior número possível de símbolos e preparar-se para a discussão posterior.


Mãe e Filha
Direção: Petrus Cariry
Roteiro: Petrus Cariry, Firmino Holanda, Rosemberg Cariry
Elenco: Zezita Matos, Juliana Carvalho
Duração: 80 minutos
País: Brasil

Nota: 6

Mãe e Filha foi assistido no Festival do Rio 2011.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O Olho Mágico do Amor: Voyeurismo pré-realities

 por Edu Fernandes

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Trinta anos antes dos reality shows e webcams entrarem na rotina das pessoas, o filme O Olho Mágico do Amor já debatia o voyeurismo. A história é sobre uma jovem secretária (Carla Camurati, de Lamarca) que descobre um furo na parede do escritório. Através dele, Vera consegue “dar uma espiadinha” no quarto onde uma prostituta (Tânia Alves, de Araguaia) recebe seus clientes.

O voyeurismo não está apenas na curiosidade da protagonista. O filme de 1981 abrilhanta quando se observa a reafirmação do tema nos detalhes.

A descoberta do tal furo se dá porque a secretária se sente incomodada com um quadro. A pintura traz um pássaro que Vera têm a impressão de a estar encarando. Quando ela remove o quadro, o furo na parede lhe é revelado.

O escritório onde Vera trabalha é a sede de uma associação que estuda pássaros e grande parte da ornitologia se dá pela observação dos espécimes. Mais adiante, a jovem flagra seu chefe (Sérgio Mamberti, de Bodas de Papel) no quarto de Penélope e a colcha da cama é coincidentemente estampada com pássaros.

O Olho Mágico do Amor foi realizado na Boca do Lixo sob encomenda. Segundo o diretor Ícaro Martins, uma das exigências do produtor foi a inserção de quinze cenas de sexo. Com isso em mente, os roteiristas estipularam que um dos personagens principais deveria ser uma prostituta. Assim, o enredo poderia acomodar tantas cenas de sexo de forma mais orgânica.

Portanto, O Olho Mágico do Amor deve ser visto como um exemplo positivo para o cinema nacional até hoje. O filme prova que é possível atender demandas de mercado sem a necessidade de perder de vista a qualidade cinematográfica.

O Olho Mágico do Amor
Roteiro e Direção: José Antonio Garcia, Ícaro Martins
Elenco: Tânia Alves, Arrigo Barnabé, Carla Camurati, Sérgio Mamberti, Enio Gonçalves
Duração: 85 minutos
País: Brasil

Nota: 6

O filme foi assistido no Cineclube Mube.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Causos de Cinema: Precisamos Falar sobre o Kevin: Pausa necessária

 por Edu Fernandes

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A seção Causos de Cinema relata acontecimentos que vão além do filme na experiência de ir ao cinema.


Quando se acompanha uma mostra de filmes como o Festival do Rio, assiste-se a dezenas de produções e é fácil confundir um título com o outro. No entanto, a força de Precisamos Falar sobre o Kevin (We Need to Talk About Kevin) fez com que a sessão na qual o assisti ficasse marcada em minha memória.

Kevin (Ezra Miller) é um adolescente que leva adiante um massacre estudantil nos moldes de Columbine, mas o ponto de vista principal do filme é o da mãe dele (Tilda Swinton, de Um Sonho de Amor). A relação de Eva com seu filho é conturbada desde que ele era um bebê. Como a história é contada fora da ordem cronológica, sempre se nota a sensação de impotência materna.


Fui assistir a esse filme em uma tarde de outubro em Ipanema. Normalmente concentro minha programação vespertina em Botafogo, onde há mais salas de cinema do festival e se pode emendar uma sessão à outra. Por razões de logística, só consegui encaixar o longa em uma sessão mais afastada.

Depois de terminado o filme, olhei a minha volta e vi várias pessoas aos prantos. Saí do cinema para pegar um ônibus de volta a Botafogo. Quando sentei na pare de trás do coletivo tive a real noção da importância de ter visto aquela fina naquela situação.

Eu estava digerindo toda a pujança narrativa de Precisamos Falar sobre o Kevin e percebi que, se tivesse programado para assisti-lo nos cinemas que costumo frequentar durante o Festival, exprimido entre duas sessões de outros filmes, seria incapaz de adentrar imediatamente para ver outra produção. Tinha muitas emoções, pensamentos e sensações para processar naquele começo de noite. Aquela breve viagem de ônibus foi essencial para contemplar a real dimensão do filme.


Precisamos Falar sobre o Kevin (We Need to Talk About Kevin)
Direção: Lynne Ramsay
Roteiro: Lynne Ramsay, Rory Kinnear
Elenco: Tilda Swinton, John C. Reilly, Ezra Miller, Jasper Newell, Rock Duer, Ashley Gerasimovich
Duração: 112 minutos
País: Reino Unido, EUA

Nota: 8

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Meta-crítica: Os Descendentes: Cegueira premiada

 por Edu Fernandes

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A seção Meta-crítica pensa as boas e más práticas da crítica de cinema.



Depois de conquista o Globo de Ouro como melhor drama, Os Descendentes (The Descendants) corre o risco de ter uma recepção negativa por parte da crítica. O filme tem seus méritos, mas é difícil acreditar que alguém o julgue a melhor produção de todo um ano.

O enredo é sobre um pai ausente (George Clooney, de Tudo pelo Poder) que precisa se reconectar com as filhas depois que sua esposa entra em coma por causa de um acidente. Nesse ambiente totalmente desfavorável, ele descobre que a mulher estava sendo infiel.

Os Descendentes emociona e envolve, porém não escapa de alguns vícios, identificáveis para quem está acostumado a ver comédias dramáticas do cinema independente estadunidense. Mesmo assim, não merece o tipo de crítica que se viu quando Quem Quer Ser um Milionário? chegou aos cinemas papando muitos prêmios nos Estados Unidos.


Depois que oito Oscars foram entregues para o filme de amor que flerta com Bollywood, a recepção piorou. É preciso considerar os filmes apenas como filmes, acima das premiações. A recomendação faz ainda mais sentido quando percebemos que o panorama político e o lobby de marketeiros são muito mais influentes do qualidade cinematográfica quando se decide os premiados de Globo de Ouro, Oscar e afins.

Peguemos como exemplo o ano de 2011, quando O Discurso do Rei e A Rede Social foram os grandes vencedores da temporada de prêmios. Os dois títulos são bons, mas estão longe de serem os maiores feitos cinematográficos de uma safra.

A torcida é que depois de 26 de fevereiro, quando serão conhecidos os escolhidos da Academia, as opiniões sobre as qualidades de Os Descendentes não sejam influenciadas pelo o que acontece fora das salas de cinema.


Os Descendentes (The Descendants)
Direção: Alexander Payne
Roteiro: Alexander Payne, Nat Faxon, Jim Rash
Elenco: George Clooney, Shailene Woodley, Amara Miller, Nick Krause, Patricia Hastie
Duração: 115 minutos
País: EUA

Nota: 7

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A Versão de Barney: A intensidade de cada linguagem

 por Edu Fernandes

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Comparar o livro A Versão de Barney (Barney's Version) com sua adaptação cinematográfica, A Minha Versão do Amor, esclarece o tipo de objetividade que é preciso para encontrar os atalhos necessários para transformar um bom livro em um bom filme.

De modo geral, o protagonista do livro é mais ácido do que o personagem defendido por Paul Giamatti (Tudo pelo Poder). Na hora de a literatura ir ao cinema, o foco do roteiro ficou no aspecto mais positivo da personalidade do protagonista: o amor incondicional que Barney nutre por Miriam, sua terceira esposa. Na tela, a musa foi vivida por Rosamund Pike (Educação).

Essa escolha foi acertada para garantir que o público sinta simpatia pelo anti-herói. No livro temos centenas de páginas para criar a empatia, no filme é preciso ser mais imediato.


Outra diferença perceptível entre as duas obras é que nas linhas escritas por Mordecai Richler praticamente todos os personagens são de origem judaica. Para que o filme não fosse rotulado como uma produção de gueto, alguns deles “deixam” de ser judeus. O pintor Leo, interpretado por Thomas Trabacchi, ganha ascendência italiana e até muda de sobrenome. No livro, ele se chama Leo Bichinsky, apesar de não existir qualquer razão narrativa para ter sangue hebreu.

Se a intensidade dos defeitos do protagonista e da atmosfera judaica arriscam tornar o livro em uma obra mais hermética, a maior intensidade cômica alivia e torna a leitura mais agradável. Outro atrativo dessa pseudo-autobiografia são as notas de rodapé, que seriam intervenções corretoras assinadas pelo filho do protagonista.

A Versão de Barney (Barney's Version)
Autor: Mordecai Richler
Tradução: Luciano Vieira Machado
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 571

domingo, 22 de janeiro de 2012

J. Edgar X A Dama de Ferro: Ícones destros

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro: (?)


Quem acompanha meus textos já deve ter percebido que minha visão política está mais alinhada com os princípios esquerdistas. Em um momento em que estão para ser lançadas no Brasil duas cinebiografias de grandes figuras da direita, assistir a esses filmes provou-se um exercício de neutralidade.

J. Edgar narra a vida do homem que transformou o FBI na instituição que é hoje. Hoover ficou a frente do Bureau por várias décadas e conviveu com oito presidentes dos Estados Unidos. O filme dirigido por Clint Eastwood (Além da Vida) não deixa de mostrar o lado mais sombrio de sua personalidade.


Hoover ficou conhecido por manter um arquivo secreto com documentos que, se fossem divulgados, desagradariam grandes nomes da história estadunidense do século XX. A posse desse conhecimento, muitas vezes obtido de forma irregular, garantia que Edgar tivesse poder de chantagem sobre os poderosos de Washington.

Mesmo com tantos defeitos de personalidade expostos, J. Edgar consegue envolver e até mesmo emocionar. O protagonista é apresentado como um homem amargurado e digno de pena, que nunca permitiu a si mesmo o direito de assumir sua homossexualidade.

Outra figura importante do pensamento de direita que teve sua vida retrata nas telas de cinema foi a ex-Primeira Ministra inglesa Margaret Thatcher. Em A Dama de Ferro (The Iron Lady), sua trajetória política é contada desde a juventude durante a Segunda Guerra Mundial até os dias de hoje, afastada das manchetes de jornal. A vida pessoal de Thatcher é deixada em segundo plano, o foco do filme está na relação dela com o poder. Nesse sentido, o filme usa táticas questionáveis para validar as atitudes polêmicas da protagonista.


Sempre que Margaret tem um enfrentamento verbal no Parlamento, seus opositores são retratados como selvagens. Eles berram e mostram os dentes de forma animalesca, enquanto Thatcher é mais pacífica. Os ângulos de câmera são escolhidos para acentuar as diferenças de postura.

Em questões polêmicas do mandato de Margaret, o filme também usa suas manobras. A Guerra das Malvinas é mostrada como um ato de nacionalismo, uma obrigação de Thatcher em esforçar-se para manter todos os territórios britânicos unidos. Na verdade, o combate salvou a aprovação dela junto ao povo e garantiu mais tempo no poder, da mesma maneira que aconteceu com George W. Bush e as guerras no Afeganistão e Iraque.

Em outros momentos, o filme prefere não se aprofundar. Um exemplo da economia de argumentos se dá quando Thatcher decreta uma taxa única e igual para todos os cidadãos, sejam eles miseráveis ou multibilionários.

Em J. Edgar a maquiagem usada para envelhecer Leonardo Di Caprio (A Origem) é muito superior à aplicada em outros atores do mesmo filme. No entanto, A Dama de Ferro tem um trabalho de maquiagem mais eficiente, seja no rosto de Meryl Streep (Simplesmente Complicado), seja nos assuntos delicados a serem tratados.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A Separação: Momentos propícios

 por Edu Fernandes

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A razão pela qual o filme iraniano A Separação (Jodaeiye Nader az Simin) estar fazendo uma bela carreira internacional começa pelas qualidades de seu roteiro. O enredo é aparentemente simples, mas dá conta de explicitar vários problemas da sociedade iraniana.

Apesar de ainda amar seu marido, Simin (Leila Hatami) pede o divórcio. Ela quer morar fora do país, mas Nader (Peyman Moadi) precisa ficar para cuidar do pai doente. Nessa situação, Simin sente-se presa, já que o marido não permite que ela leve a filha deles para viver na Europa.

A partir daí a situação se complica gradativamente para todos os personagens. Novos problemas surgem e o espectador atento percebe que o panorama sócio-político-religioso do Irã é o principal culpado pelos infortúnios apresentados no filme.


Para atingir esse objetivo, A Separação faz algo que é elogiado em muitas produções europeias: não há uma figura que personifique claramente o vilão. Todos ali são vítimas das circunstâncias.

Quando se tem uma filme que critica a sociedade iraniana exatamente no momento em que a comunidade internacional se posiciona contra os ditames do governo de Mahmoud Ahmadinejad, cria-se um contexto premiado para A Separação. A tendência de ir contra o regime iraniano não está apenas na questão nuclear e militar. No mundo das artes, vive-se um momento de censura e opressão, com alguns cineastas na cadeia e proibidos de realizar novas obras.

A forma mais elegante de se posicionar contra essas posturas que beiram o totalitarismo é pelas artes, conquistando prêmios como o Globo de Ouro para melhor filme em língua estrangeira.


A Separação (Jodaeiye Nader az Simin)
Roteiro e Direção: Asghar Farhadi
Elenco: Peyman Moadi, Leila Hatami, Sareh Bayat, Shahab Hosseini, Sarina Farhadi, Merila Zare'i, Ali-Asghar Shahbazi, Babak Karimi
Duração: 123 minutos
País: Irã

Nota: 9

Para entender melhor a situação iraniana, clique aqui e saiba mais sobre os filmes Dias Verdes e Isto não É um Filme.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

2 Coelhos: Antropofagia explosiva

 por Edu Fernandes

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Quando um filme brasileiro se arrisca em um gênero no qual nosso cinema não tem muita intimidade, sou a favor da antropofagia. 2 Coelhos é um exemplo atual dessa postura entre os filmes de ação, da mesma maneira que Besouro fez entre os filmes de super-herói.

Para contextualizar o leitor, a antropofagia vem da crença indígena de que, quando se come a carne de um guerreiro valoroso, se obtém as qualidades positivas desse guerreiro. No mundo das artes, a antropofagia defende que se use a influência estrangeira sem necessariamente perder as características únicas da nossa cultura.


O filme conta a história de Edgard (Fernando Alves Pinto, de Nosso Lar), um homem com um plano complexo para resolver dois problemas ao mesmo tempo. Na concretização do plano, muitos tiroteios, perseguições e explosões serão necessárias. É nesse ponto que 2 Coelhos usa a influência de Hollywood, especialmente de filmes de Quentin Tarantino (Bastardos Inglórios) e Guy Ritchie (Sherlock Holmes 2).

Por outro lado, a produção não deixa de lado sua brasilidade. Os obstáculos enfrentados pelo protagonista, as piadas nos diálogos e as paisagens paulistanas não nos deixam esquecer que se está vendo um filme nacional.

Depois de fracassos como Federal e Segurança Nacional, é importante que 2 Coelhos consiga achar seu público. A qualidade finalmente está na tela em um filme de ação genuinamente brasileiro.




2 Coelhos
Roteiro e Direção: Afonso Poyart
Elenco: Fernando Alves Pinto, Caco Ciocler, Marat Descartes, Djair Guilherme, Aldine Muller, Alessandra Negrini, Robson Nunes, Thaíde, Thogun
Duração: 108 minutos
País: Brasil

Nota: 6

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

As Aventuras de Tintim: Justificativa para animação

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro: (?)


Existe uma teoria na animação que defende que é necessário explorar possibilidades que esse suporte oferece que seriam impossíveis (ou quase isso) de se realizar em live action. Dessa maneira, o uso da linguagem é válido. O diretor Steven Spielberg (Cavalo de Guerra), em sua estreia no mundo da animação, segue fielmente esse postulado com As Aventuras de Tintim (The Adventures of Tintin).

O enredo acompanha o jornalista Tintim (Jamie Bell, de Um Ato de Liberdade), que precisa encontrar mensagens cifradas escondidas em miniaturas de navios. Os versos ocultos o ajudarão a desvendar um mistério que lhe renderá uma matéria jornalística.


No meio dessa aventura, os personagens se veem no meio de uma perseguição de carro e moto pelas ruas de uma cidade árabe. Essa sequência é apresentada na tela como uma plano-sequência (sem cortes), com a câmera se movendo como se fosse mais um veículo na perseguição. Com a escolha de enquadramento e movimentação, Spielberg constrói o momento mais empolgante do filme.

Tintim chega aos cinemas como uma animação sob a justificativa de respeitar o visual criado por Hergé, quadrinista que contou as histórias do personagem em tiras de jornal. No entanto, se fosse realizado com atores de carne e osso, a sequência só seria viável dessa maneira com o uso de truques e da inserção de elementos de computação gráfica. Algo semelhante, mas com muito menos complexidade, pode ser apreciado no filme argentino O Segredo dos Seus Olhos.



As Aventuras de Tintim (The Adventures of Tintin)
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Steven Moffat, Edgar Wright, Joe Cornish
Elenco: Jamie Bell, Andy Serkis, Daniel Craig, Nick Frost, Simon Pegg
Duração: 107 minutos
País: EUA, Nova Zelândia

Nota: 7

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O Espião que Sabia Demais: Inteligência sem glamour

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro: (?)


Por causa dos filmes de 007, há 50 anos estamos acostumados a associar a espionagem britânica no cinema a um ambiente elegante com carros possantes e drinks sofisticados. O Espião que Sabia Demais (Tinker Taylor Soldier Spy) quebra qualquer expectativa nesse sentido com uma história mais cerebral que revela os podres da espionagem.

A ironia do filme começa pelo protagonista, nada parecido com o conquistador James Bond. Smiley (Gary Oldman, de A Garota da Capa Vermelha), cujo nome soa algo como “sorridente” em inglês, é um homem tão inteligente quanto triste. Abandonado pela mulher, ele foca-se no trabalho. Sua missão é identificar um traidor no alto escalão da inteligência britânica. Para aumentar a tensão, a história se passa bem no meio da Guerra Fria.


Em um jogo no qual não se sabe quem está de qual lado, é recomendável prestar bastante atenção aos detalhes. O filme convida o público a desvendar o mistério junto com o convidado e nem todas as pistas são dadas de mão beijada. Algumas relações entre personagens precisam ser deduzidas.

Em Os Infiltrados já se sabe quem são os agentes duplos e fica fácil saber por quem torcer. A situação é oposta em O Espião que Sabia Demais. Portanto, o espectador ficará receoso em depositar sua confiança em qualquer personagem, já que todos são suspeitos.

O baile de máscaras apresentado na tela só funciona porque o elenco esbanja talento em suas atuações. O desempenho dos atores também é crucial para passar as informações que estão nas entrelinhas, que deixam a fita envolvente.



O Espião que Sabia Demais (Tinker Taylor Soldier Spy)
Direção: Tomas Alfredson
Roteiro: Bridget O'Connor, Peter Straughan
Elenco: Gary Oldman, Mark Strong, John Hurt, Toby Jones, David Dencik, Ciarán Hinds, Colin Firth, Kathy Burke, Benedict Cumberbatch, Stephen Graham
Duração: 127 minutos
País: França, Reino Unido, Alemanha

Nota: 7

domingo, 8 de janeiro de 2012

Sherlock Holmes 2: Mais complexo, mais divertido

 por Arthur Pendragon

Spoilerômetro: (?)


A expectativa de continuidade que se tem ao ver Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras (Sherlock Holmes: A Game of Shadows) é brilhantemente quebrada ao longo do filme. A mecânica depende mais da atenção do espectador o que torna o filme muito agradável em termos de surpresas ao longo da trama.

A história se passa na transição do séc. XIX para o séc. XX e tem como protagonistas a dupla Sherlock Holmes (Robert. Downey Jr., de Um Parto de Viagem) e seu fiel amigo Watson (Jude Law, de Contágio) antagonizando com o brilhante Prof. Moriarty (Jared Harris, de O Curioso Caso de Benjamin Button). O plano maligno do vilão passa despercebido das autoridades e requer o mágico-trágico Sherlock para resolvê-lo.


Olhando em retrospecto, este é um filme mais intelectual que seu predecessor, pois envolve temas políticos do início do século XX, como a Paz Armada, os anarquistas e tráfico de armas. Assim, o enredo exige mais atenção do espectador a detalhes que no primeiro filme eram realçados pela narração de Holmes. Apesar dessa aparente sobriedade, a ebriedade do protagonista e o abuso de cenas de câmera lenta nas partes de ação, características do diretor Guy Ritchie (RocknRolla), garantem muitas risadas e emoções.

Apesar das diferenças com o antecessor, Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras vem para consolidar a franquia de maneira interessante e divertida, valendo muito a experiência.


Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras (Sherlock Holmes: A Game of Shadows)
Direção: Guy Ritchie
Roteiro: Michele Mulroney, Kieran Mulroney
Elenco: Robert Downey Jr., Jude Law, Noomi Rapace, Rachel McAdams, Jared Harris, Stephen Fry, Paul Anderson, Kelly Reilly
Duração: 129 minutos
País: EUA

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A Guerra Está Declarada: Fora de compasso

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro: (?)


A participação dos verdadeiros personagens em filmes baseados em histórias reais garante a emoção real, mas a influência dessas figuras também pode ter efeitos colaterais. O Último Dançarino de Mao já provou essa tendência e A Guerra Está Declarada (La guerre est déclarée) a leva ao extremo.

O candidato francês ao Oscar 2012 conta a história de um casal cujo filho é diagnosticado com câncer antes de completar dois anos de idade. O tal casal assina o roteiro e interpreta a si mesmo no filme, que é dirigido por um deles (a mãe).


Como é de se esperar o resultado é um filme irregular em vários sentidos. A título de simplificação, vou usar apenas a irregularidade na área musical. As canções selecionadas merecem elogios pelo ecletismo. Com certeza não há clichês nesse assunto. No entanto, a musicalidade do filme não escapa de deslizes.

Muitas cenas de A Guerra Está Declarada ganham qualidade graças às canções que as acompanham. Por outro lado, outras cenas não casam com a música que se ouve.

O exemplo máximo de uma péssima ideia que não encontra freios desde sua concepção no roteiro até ser impressa em celuloide é uma cena musical. O casal de protagonistas está viajando um ao encontro do outro quando uma balada romântica começa a tocar. No momento em que o espectador está a ponto de se emocionar, os personagens começam a cantar em um dueto DDD (em que um canta o verso e completa o outro, apesar de estarem em lugares diferentes). Isso resume bem os erros do filme.




A Guerra Está Declarada (La guerre est déclarée)
Direção: Valérie Donzelli
Roteiro: Jérémie Elkaïm, Valérie Donzelli
Elenco: Valérie Donzelli, Jérémie Elkaïm, César Desseix, Gabriel Elkaïm, Brigitte Sy, Elina Löwensohn, Michèle Moretti, Philippe Laudenbach, Bastien Bouillon
Duração: 100 minutos
País: França

Nota: 4

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Cavalo de Guerra: Nostalgia como solução

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro: (?)


Um antigo hábito de Hollywood é retratar personagens que não são estadunidenses travando conversas entre si em inglês com o sotaque de seus países de origem. Tudo isso sem qualquer justificativa narrativa. Cavalo de Guerra (War Horse) ainda consegue usar esse recurso e evitar que as platéias dos Estados Unidos tenham que ler legendas, algo que não é costume por lá. Vale ressaltar que atualmente esse hábito linguístico de Hollywood não é mais tão aceito. Filmes como A Paixão de Cristo (2004) e Bastardos Inglórios (2009) acostumaram o grande público a um grau de verossimilhança maior.

Para sustentar a opção, o filme apóia-se na nostalgia. Toda a estética de Cavalo de Guerra é um tributo aos filmes em technicolor* produzidos nos estúdios da Disney até a década de 1960. Muitas dessas fitas tinham como tema central a relação entre um ser humano (mais comumente crianças ou jovens) com um animal.


Da mesma forma, a mais nova direção de Steven Spielberg (Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal) conta a história de Joey, um cavalo criado pelo jovem Albert (Jeremy Irvine) no começo do século XX. Começa a Primeira Guerra Mundial e o animal é arrendado ao Exército Inglês. A partir daí, Joey terá alguns donos de nacionalidades distintas. Sejam essas pessoas francesas ou alemães, todos falam inglês, como era aceitável na época dos technicolors da Disney.

As demais áreas técnicas acompanham o gênero. Assim, a direção de fotografia de Janusz Kaminski (Como Você Sabe) abusa das tonalidades de amarelo e laranja. Spielberg usa muito bem as sombras e enquadramentos inteligentes para criar cenas com a emotividade habitual desse tipo de produção. Para completar, a trilha musical composta por John Williams (Munique) aumenta a atmosfera lacrimosa.

Para os fãs de Spielberg ou cinéfilos saudosos dessas produções inocentes do passado, Cavalo de Guerra oferece uma emocionante viagem no tempo.




Cavalo de Guerra (War Horse)
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Lee Hall, Richard Curtis
Elenco: Jeremy Irvine, Peter Mullan, Emily Watson, Niels Arestrup, David Thewlis, Tom Hiddleston, Celine Buckens, Robert Emms
Duração: 146 minutos
País: EUA

Nota: 7

* Technicolor é uma maneira de produzir filmes coloridos, muito usada nas primeiras décadas do cinema colorido.