quinta-feira, 28 de julho de 2011

Entrevista: Edu Fernandes: Sem Roteiro

Há alguns meses, dei uma entrevista para Carolina Salomão e Thais Sawada, estudantes da Faculdade Cásper Líbero (SP). O trabalho delas mostrou de forma clara a minha visão sobre qual deve ser o papel do crítico de cinema. Antes de qualquer coisa, agradeço a elas pela oportunidade de expressar o que penso e sinto.

Com a autorização delas, reproduzo o papo que tivemos.

Você pode falar sobre a sua formação acadêmica e profissional?
Eu fiz curso superior de Audiovisual na ECA e me especializei em Crítica e Som. Só que lá eu percebi que o set de gravação não é o local de trabalho que eu queria para mim, eu não me adapto a isso. Aí eu revolvi ir para Crítica, porque desde moleque eu indicava filmes para estranhos na locadora. Eu fui formado em locadora, eu não fui formado em cinema – a minha formação como cinéfilo.
Participei de um site que um amigo meu tinha fundado, independente. Escrevi para esse site toda a vida dele, que foi até o começo do ano passado, quando a gente resolveu desmembrá-lo e cada um seguiu o seu caminho. Mas eu já tinha começado a escrever para algumas revistas.
Comecei o meu blog, o Cine Dude, só para ter uma válvula de escape para as coisas que eu queria expor, mas não encontrava um veículo para comprar aquele material. Atualmente atualizo cada vez menos, infelizmente.

Por quê?
Por falta de tempo. Eu me dedico muito mais a ter o material para o Take Único, que é o meu programa de webTV, e para escrever as coisas para o UOL, que é onde eu trabalho de segunda a sexta. Então no pouco tempo que me sobra, eu escrevo no meu blog, que é quase nada.

Quais são as vantagens e desvantagens de escrever para o blog e de escrever para outras publicações?
A única vantagem no meu blog é a liberdade editorial. O que eu acho que está bem argumentado, eu coloco lá e o problema é unicamente meu.
Na AllTV, eu só tenho uma única restrição, que é manter o programa com classificação livre. Só isso. Eles me dão total liberdade para falar de uma mostra super underground ou do maior lançamento da semana. Claro que eu nunca deixo escapar o maior lançamento da semana, porque acho que os meus telespectadores, ou internautas, querem saber e eu tenho que informar isso para eles. Mas eu tento balancear tanto o cinema pequeno quanto os blockbusters. E tenho uma equipe que me ajuda muito para também ter um pouquinho de história do cinema no programa.
No UOL, tenho já um pouco mais de restrição, porque é uma empresa grande, tem os compromissos da empresa, tem a linha editorial de lá. Mas eu dou muitas ideias na reunião de pauta. Tento adaptar uma ideia que eu tinha para o formato do UOL, para ficar algo interessante, que me satisfaça como profissional também.

Para você, quais as qualidades que um crítico precisa ter?
Depende muito do tipo de crítico que você quer ser. Eu sempre digo que escolho o caminho mais difícil, mas que eu acho que é o mais legal. Odeio pessoas que vão pela polêmica fácil. Se eu vejo um filme que eu não gostei, posso muito bem fazer o texto: “o filme é uma porcaria”. Porque aí eu já quebro qualquer relação de amizade que eu possa ter com a pessoa que gosta daquele tipo de coisa.
Então se é algo que eu não consigo achar graça pessoalmente, como Sex and the City 2 – eu, um homem, não consigo achar graça naquele negócio consumista. Para mim, é um filme pornô, em que em vez de sexo tem compras. Eu não consigo. Então eu vou achar formas de ou ver qualidades naquilo – como no último filme, a cena em que elas falam sobre o quão difícil é ser mãe é maravilhosa – ou uma forma educada de dizer por que talvez valha a pena assistir a uma comédia romântica como Ele não Está tão a fim de Você. Essa é a maior qualidade.

Mas sempre respeitando a sua opinião.
Na verdade, respeitando o público. Porque quem vai pagar o ingresso caro não sou eu. Eu não pago para ver filmes. Eu vejo profissionalmente. Então eu tenho que pensar que as pessoas que pagam têm que fazer valer aquele dinheiro. Eu não vou falar para a minha avó assistir a um filme de ação que eu achei muito bom. Ela não vai gostar. Eu tenho que pensar no que ela vai gostar e em que pontos ela vai gostar de tal filme. E é isso que eu tenho que colocar no meu texto.

Então você pensa em agradar a todos os públicos?
Eu penso em agradar ao público de cada filme. Quando vou ver Crepúsculo, tenho que pensar na minha prima de catorze anos. Quando vou ver Os Mercenários, tenho que pensar no meu amigo de infância que adora filme com tiro e explosão. Esse é, na verdade, o maior desafio: manter as referências das pessoas.
Por exemplo, eu parei de acompanhar a produção de televisão infantil em Pokémon. Mas sei que tem Ben 10 hoje em dia. E tenho que conhecer o mínimo de Ben 10. Porque senão eu não consigo me comunicar com as crianças.
E para o tipo de carreira que eu quero seguir, que não é uma crítica acadêmica, eu tenho que saber me comunicar com elas também. Assim como eu tenho que saber o que a minha avó achava legal no cinema na década de 50. Acho que esse é o maior desafio do crítico.

Como você lida com o público que não gosta da sua crítica?
No blog eu modero os comentários. Qualquer comentário, bom ou ruim, inteligente ou imbecil, que não tenha palavrão, eu aprovo a publicação. Eu só não deixo palavrão. Se a pessoa responde a um texto meu discordando, sem falar palavrão, mesmo questionando a minha autoridade sobre aquilo, eu tenho que dar uma resposta bem educada.
Aconteceu isso num blog que republica os meus textos. Eu fiz um texto sobre Velozes e Furiosos 5, falando sobre como ele tratou errado o Brasil, que ele mostrou que nós temos um trem maravilhoso e que a nossa polícia é corrupta. São duas coisas que a gente pode ficar ofendido. Uma parcela considerável da nossa polícia é corrupta. Mas o que me surpreende é que pouca gente pouco falou desse trem, que é maravilhoso e a gente não tem no Brasil. Foi esse o tema do texto. Aí um cara falou que a polícia americana é estúpida, que ela é corrupta, falou um monte de coisa e falou que eu tinha um intelecto de mico. Eu respondi que eu não falei que a polícia americana não era corrupta, dei exemplos de filmes que mostram isso e falei que quando duas pessoas não concordam, a primeira que ofende a outra tende a ser a que tem intelecto de mico.
Então eu tenho que encarar primeiro se a pessoa merece uma resposta. Tem gente que fala: “o seu texto está muito ruim”. Eu publico e deixo. Não tem o que responder.

Como é a sua metodologia? Você faz anotações durante o filme?
Não, porque eu acho que vou me desconcentrar. Primeiro eu incorporo o personagem: se eu tenho que ser uma menininha, se eu tenho que ser um senhor de idade, se eu tenho que ser a minha mãe, se eu tenho que ser um cinéfilo que adora filmes obscuros. Eu tenho que pensar em quem eu vou ser nesse dia. Acabei de ver aqui o filme do Foo Fighters. Um documentário. Então tenho que pensar como fã de Foo Fighters, que eu gosto um bom tanto, mas tem outras [pessoas] que gostam muito mais.

Você lê a sinopse antes?
Não. Se é um filme que eu sei do que se trata, eu crio o personagem antes. Eu gosto mesmo é de não saber. Às vezes eu não lembro nem o título. Eu só sei o local e o horário da sessão. Quando você tem o olho treinado, pelos créditos iniciais e pelas primeiras você já tem ideia que tipo de filme é. Então você já se concentra nesse tipo de público.
E durante o filme, às vezes eu consigo, na minha cabeça, já fazer frases do meu texto. Lembrando de outro filme, de uma música, fazendo uma comparação com a vida real. E aí eu tento memorizar essas referências para depois colocar no meu texto.
Eu gosto de ter pelo menos uns dois dias para ter certeza que o filme é bom. Porque às vezes a gente não sabe que o filme é bom agora. A gente sabe daqui a algumas horas, no mínimo. Quando acontece alguma coisa e você relembra de uma cena. A cena ficou na sua cabeça e isso prova que o filme tem mérito nesse sentido. Isso aconteceu comigo quando eu vi O Segredo de Seus Olhos.

Como você identifica uma crítica de qualidade?
Depende da qualidade que você quer. Às vezes a pessoa vai pela polêmica gratuita, para conseguir atenção, mas ela consegue argumentar bem. Então você não pode dizer que é ruim. Eu acho errado, mas eu não digo que é ruim.
Primeiro, o mais importante é saber se está bem escrito no sentido de gramática. Porque muitas pessoas não sabem escrever. Elas não conseguem expressar em palavras aquilo que sentiram vendo o filme. O primeiro ponto é esse: se ela está bem escrita em termos de português. Depois, se está bem argumentada. Terceiro, se está coesa. Porque é muito complicado de conseguir, em um texto, começar a falar de direção de arte e acabar falando de referências em uma música. A coesão em um texto, assim como a coesão em um filme, é muito difícil. Eu acho que esses são os pontos que você tem que procurar em um texto.

O que você faz quando as qualidades e os defeitos de um filme têm pesos iguais e você fica em dúvida sobre a conclusão do texto?
Eu vejo as qualidades e os defeitos, vejo o que vai ser mais decisivo para o público-alvo. Se aqueles defeitos vão ofender mais do que aquelas qualidades vão agradar. E aí eu vejo qual lado pesa mais e sigo por ele.

domingo, 3 de julho de 2011

Fogo na Bomba: Estamos Juntos

A seção Fogo na Bomba é destina a discutir os finais de filmes. Portanto, só prossiga se não tiver problemas em sabê-lo...


Um amigo misterioso

Spoilerômetro:
Estamos Juntos
Instinto Secreto

O roteiro do filme Estamos Juntos destaca-se por conseguir contar muitas tramas paralelas. Uma dessas histórias é sobre o estranho relacionamento entre Carmen, a protagonista vivida por Leandra Leal, e o misterioso personagem interpretado por Lee Taylor.

Ele certamente não é humano, como se pode perceber por seus os sumiços sobrenaturais (evidenciados por movimentos de câmera). No entanto, o filme não deixa claro do que se trata. O que se sabe é que ele acompanha Carmen enquanto ela passa pelas dificuldades que enfrenta quando ela descobre que tem uma grave doença.



Nos créditos finais, o nome do personagem é revelado: Ângelo. Isso pode apontar uma das possibilidades. O tal amigo pode ser o anjo da guarda (espírito guia, ou algo parecido) de Carmen. Como não há qualquer outro elemento fantástico ou religioso no enredo, tendo a descartar essa resposta.

Mesmo que seja visto apenas pelo viés científico, ainda há muitas possibilidades. O caminho para a solução do mistério está na mente de Carmen.

Ângelo pode ser um amigo imaginário, tão comum na infância, que permanece ao lado de Carmen na vida adulta. Isso se evidencia pela relação de dependência e amor entre os dois.

Outro “diagnóstico” (sou leigo, por isso as aspas) é esquizofrenia. Nesse caso, Ângelo seria apenas um delírio. A própria doença de Carmen (aparentemente um tumor no cérebro) poderia causar a manifestação de Ângelo.

Outro filme traz o mesmo tipo de mistério. Trata-se de Instinto Secreto, em que Kevin Costner interpreta um serial killer. Ele é sempre acompanhado por outro homem, interpretado por William Hurt. Também não fica claro exatamente o que é o sujeito.


Filmes que fazem essa narrativa incompleta (em que nem todas as questões são respondidas) têm um sabor a mais. Eles duram mais do que os minutos de projeção e invadem conversas depois da sessão. Um exercício mental muito interessante.