quinta-feira, 22 de abril de 2010

“Chamar cada coisa pelo seu nome correto”

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro: variável (ver o número do tópico)

Nossa missão no Cine Dude é encaminhar o espectador certo para o filme certo, afinal é você que paga o ingresso. Por conta disso, cada filme é analisado levando em consideração seu gênero e público-alvo. Outros críticos preferem outra linha de trabalho e Inácio Araújo, da Folha de São Paulo, parece ser um deles.

Recentemente ele escreveu em seu blog um texto (cheio de spoilers) sobre As Melhores Coisas do Mundo e discordo de muitas coisas que ele expôs. Com o perigo de ser tachado de superficial ou qualquer outro adjetivo negativo, vou seguir a mesma estrutura de tópicos para dar outro ponto de vista sobre a questão.

1.  Inácio critica negativamente a cena em que Mano perde a virgindade e a câmera sai de foco dizendo que esse recurso é “uma espécie de covardia, de não mise-en-scène”.  Vale lembrar que os atores de As Melhores Coisas do Mundo são, em sua maioria, menores de idade, e estamos em um momento em que tristes notícias de pedofilia aparecem diariamente nos noticiários.
Qualquer escolha um pouco mais ousada por parte da diretora Laís Bodanzky (no texto do Inácio o nome dela está com a grafia errada) poderia ser vista com maus olhos, nesse cenário tão fragilizado em que é ao mesmo tempo necessário e perigoso falar da sexualidade na adolescência.
No filme O Leitor, há cenas de sexo com o protagonista adolescente, mas as filmagens foram organizadas de forma que todas essas sequências só fossem rodadas depois que o ator completasse 18 anos. Francisco Miguez, intérprete de Mano, tem 15 anos.

2.  Nesse tópico, Inácio fala da aproximação do filme com seu público-alvo. Na minha opinião, essa deve ser a preocupação primeira de uma fita comercial.

3. Aqui, o crítico da Folha de São Paulo critica a previsibilidade das reações. Todas as campanhas políticas contam com a obviedade das reações dos seres humanos. Se fôssemos entidades totalmente imprevisíveis, os altos salários de marketeiros seriam um desperdício de dinheiro.
Vai me dizer que ninguém viu uma neo-hippie ficar com o cara de dreadlocks, ou a gótica se engraçar pelo sujeito de roupas pretas. A obviedade do ser humano está em todo lugar e até nos roteiros de cinema.
As surpresas estão no desenrolar dos acontecimentos. Só posso imaginar minha cara de espanto enquanto assistia à cena em que o pai de Mano assume sua homossexualidade para os filhos. Ou na pegadinha em que Pedro e sua namorada falam de aborto, mas é apenas um ensaio de peça de teatro.

4. Nesse tópico Inácio diz que Laís terá de escolher se é uma diretora comercial ou de mensagem. Analisando a filmografia da cineasta (que inclui Bicho de Sete Cabeças e Chega de Saudade), tenho bem claro que tal opção já foi feita por ela. Laís faz filmes altamente humanos, sobre a comunicação entre as pessoas e sem grandes ousadias na linguagem cinematográfica. Seus filmes são bem acessíveis para as pessoas que querem fitas emocionantes e bonitas.

5. Nesse ponto, Inácio compara As Melhores Coisas do Mundo com Woody Allen e David Lynch, um despropósito. As referências são outras! É o mesmo erro dos críticos que comparam Persépolis com Deu a Louca na Chapeuzinho só porque são duas animações. A maioria esmagadora do público de As Melhores Coisas do Mundo não conhece (ainda) esses dois grandes cineastas e a mensagem que eles mandam não é para a juventude.
Se for para avaliar os valores, as comparações precisam ser entre produções mais próximas. Por essa razão, é melhor traçar paralelos com Podecrer! e Meu Tio Matou um Cara. Se quiser explorar outros países, o francês Rindo à Toa e o seriado Anos Incríveis seriam boas opções.

6.  “(...) percebo que a LB tem essa capacidade de tornar seus personagens íntimos do espectador. Isso é uma virtude importante demais para ser desperdiçada pelo apego excessivo às convenções.”
Acho que um filme dirigido aos jovens que mostra que eles estão preocupadíssimos com sua sexualidade (sem ter de apelar para gravidez indesejada ou DST em busca de cenas que agradam pedagogos) e que eles usam drogas (sem que isso signifique a ruína de seu futuro) está longe de ser convencional no Brasil, um país que gosta de pagar de modernoso.

7. Mais uma comparação com Twin Peaks e uma crítica de que os vilões são apenas os fofoqueiros. Logo no começo, Mano faz uma caricatura de sua colega de classe e depois se arrepende de fazer parte do “Big Brother do mal” (o que para mim é pleonasmo). Carol beija seu professor e vê ele ser demitido, mas demora para admitir que foi sua culpa. Mano, guiado pelo ciúme, afunda ainda mais a imagem do professor. Uma das maiores virtudes de As Melhores Coisas do Mundo está em não ser maniqueísta. Todos estão passíveis de cometer erros, mas há espaço para arrependimento e reparação: uma mensagem muito importante para os adolescentes.

8. Inácio diz que Mano só aceita sua amiga lésbica porque seu pai se revelou homossexual. É reduzir demais a história do filme. Ele aproxima-se da amiga porque percebe que não faz sentido continuar alimentando aquele cenário de intrigas e brincadeiras de mal-gosto. A orientação sexual do pai teve influência, mas não foi algo tão simplista assim.

9.  Ele explica o nome de seu post As Coisas Simples da Vida, um filme de Edward Yang (Taiwan, 2000) sobre um pai de família que tem uma série de dificuldades. O meu título é uma frase do filme Na Natureza Selvagem, em que um jovem vai para o Alasca fugir da civilização. Se o espectador de As Melhores Coisas do Mundo vier a descobrir quem são Woody Allen e David Lynch, sem achar que eles são dois velhos chatos e curtir suas obras, terá de passar por outros filmes que formam um caminho para produções mais ousadas. Na Natureza Selvagem é um bom próximo passo.

5 comentários:

  1. Parabéns pelo texto-resposta, Edu.

    Inácio criticou um filme (que eu classificaria no mínimo como ótimo) como simplista a partir de exemplos simplificados. Quem, afinal, simplificou a questão: ele ou a diretora Laís? Ele, claro.

    Vale lembrar, algo que não foi comentado no texto dele, que todas os temas trabalhados e mesmo as reações dos personagens foram obtidos por meio de muita pesquisa com jovens da idade e posição social dos personagens do filme. Ou seja, quem captou a essência do adolescente de hoje? Eu diria a Laís, com certeza.

    E, pelo amor de Deus, comparar "As melhores coisas do mundo" com "Twin Peaks" é de lascar, hein?!

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  2. Obrigado pelas palavras e reflexões, Carla.

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  3. Lindo! Lindo! Lindo! Não tenho nem comentários.
    Certas pessoas nasceram para criticar (no sentido ruim) e nunca reconhecer o que uma obra como essa tem de bom.
    A parte que mais me deixou inconformado foi o crítico ter dito que ele só aceitou a amiga lésbica por causa da opção sexual de seu pai, sendo que ele muda radicalmente como pessoa e enxerga todo esse mundo adolescente cruel de maneira ruim. Falta de argumento e intolerância total!

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  4. Sou estudante de cinema e confesso que quando ouvir falar sobre o filme, não esperava muito, mas depois de assistir acabei gostando bastante, justamente pela forma totalmente não-clichê que Laís Bodanzky abordou um tema que em sua maioria, quando retratado é bem superficial. Li os dois textos e na leitura do texto de Inácio pude perceber uma posição até meio preconceituosa em relação à temática do filme e a forma com a qual foi abordada. Analisar o filme levando em consideração além de tema, contexto, a própria intenção da diretora e principalmente "Chamar cada coisa pelo seu nome correto" foi o que faltou na análise feita por ele, repleta de lugares comuns e reflexões, que não minha opinião são superficiais e sem fundamento.

    Parabéns pelo seu texto.

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  5. Simplismente uma otima resposta para aqueles que nao entenderam ou viram beleza na simplicidade de "as melhores coisas", afinal, merecemos sim filmes de bom gosto sem erudicoes complexas as vezes.

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