por Marcelo Rafael
Sinopse: Lugarejo no interior da Alemanha às vésperas da I Guerra Mundial é abalado por acontecimentos trágicos que abalam seus habitantes.
Spoilerômetro: •
Ficha Técnica:
A Fita Branca (Das Weisse Band)
Roteiro e Direção: Michael Haneke
Elenco: Christian Friedel, Leonie Benesch, Ulrich Tukur, Ursina Lardi, Burghart Klaussner
Duração: 145 minutos
Um pastor protestante amarra em seus filhos uma fita branca para lembrar-lhes da pureza e da inocência que devem ter em suas mentes. Poucos meses antes da Crisma dessas crianças e do início da Primeira Guerra Mundial, crimes obscuros começam a acontecer na cidadezinha perdida no interior da Alemanha, que segue ainda padrões de vida semelhantes ao feudalismo, como a dependência da agricultura e a vassalagem ao barão local.
A direção de Michael Haneke (Violência Gratuita) e a impecável fotografia em preto-e-branco fazem o espectador ter a sensação de estar lendo um livro, enquanto vai se afundando na agonia trágica que se desenrola na tela. As feições tipicamente alemãs dos atores conferem uma estranha proximidade a quem conhece os estados do Sul do Brasil, especialmente Santa Catarina.
A Fita Branca (Das Weisse Band), vencedor da Palma de Ouro em Cannes, em 2009, segue a história do professor da escola do vilarejo (Christian Friedel), que rememora de forma serena os sombrios acontecimentos que ocorrem em sua cidade antes da Guerra.
O filho do barão é torturado, uma armadilha é montada para o médico da cidade, o celeiro é incendiado. Logo a mentalidade de cidade pequena, onde todos se conhecem, aliada ao medo punitivo cristão e à falta de sentimento de alteridade de seus cidadãos, vão gerando um ar sufocante na vila, enfatizado pelos claustrofóbicos planos fechados sempre que a cena se passa em interiores – em oposição à claridade e ao espaço das tomadas externas. Metáfora para a obscuridade do que se passa a portas fechadas e da aparente tranqüilidade do que se vê nas ruas.
A opressão do pastor e o clientelismo do opulento barão opõem-se à pobreza dos aldeães e à submissão das crianças, sujeitas a outras atrocidades cometidas contra elas dentro de suas próprias casas e que semeiam em seu caráter a brutalidade perpetrada por seus pais. A apatia patente em seus rostos (evidenciado pelo brilhantismo da atuação dos atores e atrizes-mirins) torna o filme angustiante e pesado de se digerir. Seu estranho comportamento de grupo levanta suspeitas sobre sua ligação com os crimes.
Esse tema da maldade velada incutida nas crianças já foi abordado em obras como A Outra Volta do Parafuso (livro de Henry James), e uma sociedade repressora, que gera cidadãos histéricos, é bem retratada na a Inglaterra Vitoriana, de Robert Louis Stevenson, em seu O Médico e o Monstro. No caso de A Fita Branca, o isolamento do vilarejo, adiciona uma outra dinâmica de sociedade: a da criação de regras próprias de conduta, levando à cabo o conceito de justiça com as próprias mãos. Alie tudo isso a um povo sofrido e isolado do resto da Europa pela união tardia de suas partes e um líder eloqüente, perspicaz e extremamente autoritário, e se tem as bases do nazismo que se instalaria na Alemanha nas décadas seguintes. Judeus, homossexuais, ciganos e deficientes físicos e mentais devidamente rotulados, não com uma fita branca, mas com triângulos invertidos, expurgados da nova sociedade em formação.
A demora das autoridades competentes para investigar a sucessão de crimes no vilarejo pode ser lida como a vista grossa das potências européias frente ao que Hitler já ensaiava antes de 1939. E, tanto o filme quanto os horrores da Guerra, mostram que o silêncio e a submissão são o pior meio de lidar com atrocidades, sejam elas quais forem.
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