sábado, 31 de março de 2012

Xingu X Paralelo 10: Os donos da terra

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro:  (?)


Como já havia dito no texto sobre Calafate, Zoológicos Humanos, a questão indígena está longe de ser um assunto encerrado. Para acirrar a discussão, há dois filmes nacionais recentes que, em conjunto, traçam um histórico do assunto desde o meio do século XX até hoje.

Xingu conta a história dos irmãos Villas Boas, que nos anos 1940 abandonaram tudo para desbravar o então desconhecido centro do Brasil. Não demorou para que Oslando (Felipe Camargo, de Som e Fúria), Cláudio (João Miguel, de A Suprema Felicidade) e Leonardo (Caio Blat, de As Mães de Chico Xavier) entrassem em contato com índios. O encontro mudaria para sempre a vida dos Villas Boas e dos povos nativos.

Por décadas os irmãos lutaram pelos índios, seja contra um governo que quer construir estradas e cidades onde antes era selva, seja contra fazendeiros que querem usar as terras para agricultura e pecuária.


A expedição dos Villas Boas foi um redescobrimento do Brasil. Eles tiveram de reviver os mesmo problemas de séculos anteriores: a doença dos índios após o contato com os germes que os brancos carregavam, o debate sobre quem é o verdadeiro dono da terra, entre outras questões.

Os irmãos indianistas chegaram à conclusão de que os nativos necessitam de grandes áreas isoladas para conservar suas culturas e estilo de vida. Foi essa a posição adotada pela Funai a partir de 1987, segundo relata o documentário Paralelo 10.

O filme mostra nos novos dilemas da questão indígena. Focado na missão de José Carlos Meirelles no estado do Acre, o espectador vê a nova dinâmica. Agora é necessário para lidar com os índios que já convivem com os brancos, com os povos que ainda estão isolados e como um tipo de índio interfere na vida do outro.


O esforço da Funai é manter os índios “bravos”, como são chamados os povos isolados, longe do contato com o homem branco. Para isso, é preciso convencer os índios contatados a ajudar nesse isolamento dos outros índios.

O que se conclui de Paralelo 10 é que se trata de um debate cinético, em que se precisa ajustar a postura a todo momento para contornar males seculares.

A Dançarina e o Ladrão: Personagens-problema

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro:  (?)


Apesar das duas profissões que formam o título de A Dançarina e o Ladrão (El baile de la Victoria), o filme traz uma trinca de personagens desafiadores para seus intérpretes. Infelizmente o protagonista é o único que não consegue se sair bem. O objetivo do filme é mostrar as consequências do regime militar no Chile contemporâneo, por isso todos eles têm ligação com o período histórico totalitário.

A Dançarina é Victoria (Miranda Bodenhofer em seu papel de estreia), uma jovem que parou de falar depois de testemunhar, quando ainda era menina, os pais serem assassinados por agentes do governo militar.

A moça encanta porque há anos pratica uma coreografia de ballet para homenagear os pais. Sua expressão corporal comove e é o meio pelo qual consegue afugentar os fantasmas do passado.

O personagem principal do filme é o namorado de Victoria. Ángel Santigao (Abel Ayala) saiu da prisão depois da anistia a criminosos não-violentos que se deu no processo de redemocratização do Chile. O rapaz é muito inocente, o que é difícil de acreditar depois de ele ter passado uma temporada atrás das grades.

Ángel tem um plano de roubar dinheiro obtido de forma corrupta durante a ditadura. Seus objetivos são louváveis, mas a forma infantilizada como ele encara o mundo irrita o espectador.

É difícil torcer para um personagem tão incômodo.Em algumas cenas, suas reações são exageradas. Em outros momentos, ele parece ter algum tipo de ataque de emoções extremas. Parte do público ficará com vontade de encaminhar o protagonista para algum tipo de tratamento psicológico.

Finalmente, o Ladrão é a causa pela qual discutimos o filme. Nicolás Vergara Grey é interpretado por Ricardo Darín e seu sucesso a frente de Um Conto Chinês é a razão que justifica uma produção fraca e antiga (de 2009) entrar em cartaz nos cinemas brasileiros.

Nicolás é um lendário arrombador de cofres que também foi liberto pela anistia. Ángel o aborda para participar de seu plano.

A interpretação de Darín é o que mais brilha em A Dançarina e o Ladrão. O momento em que ele declama os versos da canção“El Dia que me Quieras”, de Carlos Gardel, é de arrepiar. Entretanto, cabe ao leitor julgar se vale pagar o ingresso de um filme problemático apenas para ver mais um ótimo trabalho do ator argentino.

A Dançarina e o Ladrão (El baile de la Victoria)
Direção: Fernando Trueba
Roteiro: Antonio Skármeta, Fernando Trueba, Jonás Trueba
Elenco: Ricardo Darín, Abel Ayala, Miranda Bodenhofer, Ariadna Gil, Julio Jung, Mario Guerra, Marcia Haydée
Duração: 127 minutos
País: Espanha

Nota: 3

Dica: Para saber sobre a ditadura chilena, confira Post Mortem e Dawson Ilha 10.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Lórax: Mensagem para a garotada

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro:  (?)


A obra do escritor Dr. Seuss é caracterizada pela poesia nas palavras e mensagem educativa na história.O Lórax: Em Busca da Trúfula Perdida (Dr. Seuss' The Lorax) é a mais nova adaptação das criações de Seuss para o cinema.

O tal Lórax do títlo é uma criatura mágica que defende a natureza, como o Curupira no folclore brasileiro. Quando Umavezildo corta uma árvore (trúfula) para usar suas folhagens como fibra têxtil, Lórax decide intervir e impedir que o inventor acabe com a natureza.

Ao contrário de Horton e o Mundo dos Quem, dessa vez as rimas de Seuss são deixadas de fora do filme. No lugar da poesia, Lórax tem animados números musicais que serão repetidos à exaustão quando o DVD fizer parte da coleção da criançada.


Outra mudança é que no livro Umavezildo é um monstro, mas na animação ele é um ser humano. O produtor Christopher Meledandri (Hop – Rebeldes sem Páscoa) explica a decisão: “No momento em que você deixa Umavezildo ser um monstro, você permite que a plateia interpreta que o problema é causado por alguém diferente da gente, e isso não deixa que a história seja sobre todos nós”.

Pela declaração fica claro que a mensagem educativa ecológica do livro é a prioridade do filme. A importância da preservação da natureza é passada para os pequenos espectadores de forma tranqüila, sem panfletar ou ser eco-chato.

Com isso, Lórax transforma-se em uma opção de entretenimento infantil com um objetivo nobre.

O Lórax: Em Busca da Trúfula Perdida (Dr. Seuss' The Lorax)
Direção: Chris Renaud, Kyle Balda
Roteiro: Ken Daurio, Cinco Paul
Elenco: Danny DeVito, Ed Helms, Zac Efron, Taylor Swift, Betty White, Rob Riggle
Duração: 86 minutos
País: EUA

Nota: 7

Um Método Perigoso: Os limites de Knightley

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro:  (?)



Durante boa parte de sua carreira, Keira Knightley fez o papel de moça de classe alta em filmes de época, muitas vezes o adjetivo esnobe pode ser adicionado à personagem. Apesar de também ser um filme de época, em Um Método Perigoso (A Dangerous Method) a atriz britânica tem um papel um pouco diferente.

Keira interpreta Sabina Spielrein, paciente de Carl Jung (Michael Fassbender, de Shame) que o estimula a estudar os diferentes fetiches dos seres humanos. Sabina sente prazer sexual quando testemunha ou sofre violência. Conforme as conversas avançam no lado clínico, ela tem um tórrido caso de amor com o médico.

Por causa do teor do enredo, é de se esperar fortes cenas de sexo no filme que conta os primórdios da psicanálise. O embate de ideias entre Jung e Sigmund Freud (Viggo Mortensen, de A Estrada) geram momentos caloroso, mas os encontros sexuais entre Jung e Spielrein deixam a desejar.


Há alguns anos, Knightley recebeu de sua mãe a chance de interpretar uma moça mais saidinha, em um papel escrito especialmente para ela em Amor Extremo (2008). A atriz preferiu não sair de sua zona de conforto e trocou de personagem com Sienna Miller, que roubou a cena.

Quando se pensa na falta de ímpeto de Keira Knightley nesse caso, fica claro que Um Método Perigoso não poderia contar com cenas de sexo mais ousadas. Tudo fica mais evidente quando sabemos que ela cogitou abandonar o projeto justamente pela quantidade de sexo no roteiro.

Se ela foi convencida pelos produtores a trabalhar no filme, não é de se surpreender que falte libido freudiana na produção.


Um Método Perigoso (A Dangerous Method)
Direção: David Cronenberg
Roteiro: Christopher Hampton
Elenco: Keira Knightley, Viggo Mortensen, Michael Fassbender, Vincent Cassel, Sarah Gadon
Duração: 99 minutos
País: Reino Unido, Alemanha, Canadá, Suíça

Nota: 4

Um Método Perigoso foi assistido no Festival do Rio 2011.

terça-feira, 27 de março de 2012

Beleza Adormecida: Strip-tease por atenção

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro:  (?)


O principal atrativo de Beleza Adormecida (Sleeping Beauty) é a combinação de Emily Browning (Sucker Punch) em um filme erótico. Ciente disso, a estreante diretora Julia Leigh organiza as cenas de modo que se veja na tela um verdadeiro strip-tease da atriz australiana. Sua nudez é gradativa e prende os olhos do espectador.

Com a garantida da atenção do público, Julia pode contar a história da garçonete que entra em contato com um tipo diferente de trabalho. Ela terá de atender homens poderosos em trajes mínimos. Mais adiante lhe é oferecida a oportunidade de um serviço mais ousado. Lucy terá de tomar um chá que a fará dormir profundamente. Durante seu sono, o cliente entra no quarto e poderá fazer com ela o que bem entender, exceto sexo.


O enredo de Beleza Adormecida permite que se aborde o uso de drogas, os limites da prostituição, os fetiches e as preferências sexuais pouco convencionais. No entanto, o filme se enche de pretensão e se dispõe a discutir outras questões, que não necessariamente estão ligadas à premissa.

O personagem Birdmann (Ewen Leslie) é o exemplo máximo da ambição exacerbada do longa. Ele é um rapaz depressivo, típico rebelde sem causa que nunca teve uma boa pia de louça suja para cuidar. Cada vez que entra em cena, testa a paciência do espectador com seu ar blasé e conflitos vazios.

Com escolhas assim, Beleza Adormecida perde a chance de ser um filme acima da média, para ser o desperdício de uma boa ideia.


Beleza Adormecida (Sleeping Beauty)
Roteiro e Direção: Julie Leigh
Elenco: Emily Browning, Rachael Blake, Ewen Leslie
Duração: 101 minutos
País: Austrália

Nota: 3

Beleza Americana foi visto no Festival do Rio 2011.

Tropicália: Especialidade da casa

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro:  (?)



Desde a publicação do Manifesto Atropofágico de Oswald de Andrade, ficou claro para as artes brasileiras a importância de aceitar a influência estrangeira como algo positivo para a nossa própria cultura. O documentário Tropicália é mais uma voz que engrossa o coro que entoa que a especialidade do Brasil é assimilar influências distintas.

O filme aborda a produção cultural do final dos anos 1960, especialmente no campo da música. As obras desse movimento são marcadas pelo uso de temas tipicamente nacionais sem negar a colaboração de ingredientes estrangeiros. Esse é o segredo da genialidade do tropicalismo.

Se considerarmos apenas o período da História do Brasil após a chegada dos negros, quando as três principais fontes da nossa cultura (africana, europeia e indígena) conviviam em nosso território, temos poucos séculos de história cultural. Para competir com as tradições milenares da Ásia e da Europa, o Brasil precisou de um diferencial.


Os brasileiros não tem tanto purismo na hora de integrar ingredientes de origens diferentes. Um exemplo cotidiano está nos restaurantes self-service, onde não se vê qualquer pudor de sashimis japoneses estarem no mesmo prato de uma macarronada italiana.

De maneira semelhante, pode-se apreciar a canção “Dois Mil e Um” da banda Os Mutantes. Os primeiros versos ganham sotaque caipira, mas a música tem arranjos do maestro Rogério Duprat e integra a guitarra elétrica do rock'n'roll.

Essa salada cria obras únicas que transbordam personalidade. Infelizmente isso é bem diferente do cenário musical atual, em que os gêneros “universitários” se confundem entre si e com o pop-rock mais insípido.

Tropicália
Direção: Marcelo Machado
Roteiro: Vaughn Glover, Marcelo Machado, Di Moretti
Elenco: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Rita Lee, Arnaldo Baptista, Sérgio Baptista
Duração: 87 minutos
País: EUA, Brasil, Reino Unido

Nota: 8

Tropicália foi visto no É Tudo Verdade 2012.

domingo, 25 de março de 2012

Entrevista: Heleno: “Um mito”

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro:  (?)


Mulheres, bebidas e drogas estão na lista de itens proibidos na concentração de jogadores de futebol. Antes das notícias com os astros da atualidade, outro atleta já figurava nas manchetes de jornal pelos motivos errados. “O Heleno pode ser considerado o primeiro jogador-problema”, disse o diretor José Henrique Fonseca (O Homem do Ano) sobre o protagonista da cinebiografia Heleno. “O fato é que ele não era louco por treinamento”.

Astro do Botafogo nos anos 1940, Heleno de Freitas teve a vida marcada por conturbações pessoais. “O Heleno tinha um pouco de muitos jogadores atuais”, afirmou Rodrigo Santoro (Reis e Ratos), intérprete do personagem-título do filme. “Ele tinha uma personalidade muito complexa”.

Apesar das conturbações, ele foi considerado um grande ídolo no time em que atuou. “A paixão dele pelo Botafogo era muito nobre”, relatou Santoro. “O Heleno é um mito”.


Heleno foi casado, o que não impediu que continuasse com seu estilo de vida desregrado. Para interpretar Sílvia, foi escalada Alinne Moraes (O Homem do Futuro). “Eu pesquisei sobre ela”, disse. “Não acho que é uma Maria-chuteira”.

O amor que sentia por ele era além da fama, especialmente em um tempo em que a profissão de jogador de futebol não tinha a reputação atual. “Ela se tornou quase que uma continuidade do corpo dele”, explica a atriz. “Em algum momento ela se sentiu muito solitária”.

A principal razão da tristeza de Sílvia é a cantora Diamantina. Para dar vida à amante de Heleno foi escalada a colombiana Angie Cepeda (O Amor nos Tempos do Cólera). “É uma vontade de dialogar com o restante da América do Sul”, relatou Fonseca. “O papel da Diamantina é para criar um clássico triângulo amoroso”.


Jogada ensaiada

Para contribuir na caracterização da época, Heleno foi totalmente filmado em preto-e-brnaco. “O PB é a magia, a cor é a realidade”, defende o diretor. “Sempre quis fazer um filme em PB. Como não teve estúdio, pude fazer assim”.

Focado nos dramas pessoais, o longa passa ao largo da superação esportiva que costuma ser o mote no cinema estadunidense quando a vida de um atleta é o tema de uma produção. “É um filme um pouco diferente do mercado”, explica José Henrique. “É importante ter filmes assim”.

“São poucas cenas de jogo porque não é um filme sobre futebol”, disse o diretor. “Procuramos filmar com as câmeras de baixo, como era feito nos anos 40. Basicamente a ideia foi tentar achar um formato que fizesse as pessoas acreditarem naquele jogo”.

Apesar de ter o futebol como hobby, Rodrigo Santoro precisou de preparação especial para as cenas dentro das quatro linhas. “Fiz aulas com Cláudio Adão”, relatou. “Deu para dar uma melhoradinha no meu futebol”.


Heleno
Direção: José Henrique Fonseca
Roteiro: Felipe Bragança, Fernando Castets, José Henrique Fonseca
Elenco: Rodrigo Santoro, Aline Moraes , Angie Cepeda, Erom Cordeiro, Othon Bastos, Herson Capri, Orã Figueiredo
Duração: 116 minutos
País: Brasil

Nota: 6

sábado, 24 de março de 2012

Zoológicos Humanos: Lenha na fogueira

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro:  (?)


A questão indígena está longe de ser definida. Por causa do grande número de fatores em jogo e a complexidade de elementos a serem considerados, não consigo definir minha opinião sobre o assunto. Depois de visto Calafate, Zoológicos Humanos (Human Zoos) fica claro que o caminho a ser percorrido é enorme e que há mais pontos de discussão a serem abordados.

O documentário reconta a história de dezenas de pessoas que foram capturadas em solo chileno para serem expostos na Europa em espaços para apreciação pública de humanos “selvagens”. Esses tristes acontecimentos ocorreram a partir do final do século XIX até a primeira metade do século XX, uma época em que o debate acerca da igualdade entre todos os seres humanos era acalorado.

No século XXI, foram encontradas ossadas de alguns desses indígenas em uma universidade de Zurique, Suíça. Desde a descoberta até a devolução dos restos mortais aos descendentes desses povos passaram-se anos. Muito dessa demora se explica pela péssima atuação do governo chileno.

Sobre isso, o diretor Hans Mülchi (foto ao lado) diz: “Foi muito doloroso constatar como a falta de respeito por nossos povos originários não ficou no passado e subsiste até os dias atuais por parte de nossas autoridades políticas”.

Em sua estadia forçada na Europa, a maioria dos indígenas morreu por causa das condições a que eram submetidos. Higiene, alimentação e aclimatização não constavam na lista de preocupações dos raptores – o lucro era o único objetivo. O filme mostra que o maltrato a esses povos é uma realidade constante.

Calafate é o nome de um dos poucos sequestrados que conseguiu voltar a o Chile, onde foi acolhido por religiosos. A sobreposição da fé cristã à cultura nativa é outro grande problema na questão indígena. Felizmente Zoológicos Humanos não se adentra nessa polêmica e foca-se em seu tema central.



Calafate, Zoológicos Humanos (Human Zoos)
Roteiro e Direção: Hans Mülchi
Elenco: -documentário-
Duração: 96 minmutos
País: Chile

Nota: 8

Dicas: Para saber mais da questão indígena, especialmente no Brasil, veja o filme Terra Vermelha. Para saber mais sobre a exposição de humanos “selvagens”, confira Vênus Negra.

Filme visto durante o festival É Tudo Verdade 2012.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Raul: Muito meio antes do fim

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro:  (?)


Quando se vai assistir a um documentário cujo tema já se tem alguma intimidade, a expectativa é relembrar o que é conhecido e entrar em contato com novos detalhes e curiosidades. Nessa tarefa pode se dizer que Raul – O Início, o Fim e o Meio passa com louvor.

O ponto fraco do filme está exatamente no exagero de detalhes, falta economia na edição. As cenas e depoimentos esmiúçam cada aspecto da vida e da carreira do músico baiano. Com isso, a experiência de assistir ao documentário tornar-se algo enfadonho.

Como o roteiro segue a ordem cronológica dos fatos, percebi esse defeito a partir do momento em que o longa anuncia que Raul foi diagnosticado com cirrose. Na minha cabeça, isso significava que faltava pouco para o filme acabar. Ledo engano.


O mais triste é a falta de critério sobre quais questões dedicar mais tempo e quais pontos devem ser apenas mencionados. O desperdício de energia fica evidente quando se dá espaço demais para depoentes pouco relevantes. Um deles exibe o revólver que sempre carrega consigo, algo que não tem qualquer relação com o roqueiro que deveria ser o tema do documentário.

Os últimos meses de vida de Raul já seriam suficientes para construir um filme. Até hoje há muito polêmica em torno do interesse por trás da presença de Marcelo Nova nesse momento. Uns defendem que se trata de um fã que quis ajudar seu ídolo a ter mais momentos felizes no palco, enquanto outros acusam Nova de usar a fama de Raul para atrair atenção para si. Raul – O Início, o Fim e o Meio covardemente trata o assunto com superficialidade. O filme não defende nem acusa. Se houve opção pela neutralidade, ao menos poderia fomentar a discussão.

O lado bom é que, como parece ser uma obra enorme, o filme satisfará a sede e apaziguará a saudade dos fãs e sócias de Raulzito.


Raul – O Início, o Fim e o Meio
Direção: Walter Carvalho, Leonardo Gudel
Roteiro: Leonardo Gudel
Elenco: Paulo Coelho, Caetano Veloso, Tom Zé, Roberto Menescal, Marcelo Nova
Duração: 130 minutos
País: Brasil

Nota: 5

terça-feira, 20 de março de 2012

Pina: Idioma dançante

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro:  (?)


Além das coreografias e do uso do 3D, há outro elemento que chama a atenção em Pina: a pluralidade de idiomas que podem ser ouvidos durante a projeção. O documentário mostra a companhia de dança fundada pela bailarina alemã Pina Bausch. Vindos dos quatro cantos do mundo, os dançarinos usam suas línguas-mães em seus depoimentos.

Salta aos olhos ver os depoentes de boca fechada enquanto seus relatos sobre a experiência de trabalhar com Pina são ouvidos em off. Como são todos artistas, essa escolha faz sentido e adiciona poesia ao filme. Quando se vê o desempenho dos bailarinos de diferentes origens em total sincronia no palco, percebe-se que ali eles falam a mesma língua.


A sensibilidade do ballet moderno transpira para a estética do filme. Apesar de ser um documentário, Pina tem momentos claramente encenados, como quando os dançarinos se reúnem para ver filmes antigos com Bausch trabalhando. Nesse momento faz diferença ter a genialidade de Wim Wenders (Estrela Solitária) atrás das câmeras.

A dança está em cada momento do filme. Seja nas coreografias apresentadas em cenários inusitados, seja no uso de efeitos visuais para que mini-bailarinos se apresentem em maquetes.

Como é de se esperar, Pina é primeiramente feito para apreciadores do tipo de dança da companhia. Quem não é muito íntimo dessa expressão também pode se encantar, contanto que esteja com a mente aberta.


Pina
Roteiro e Direção: Wim Wenders
Elenco: Pina Bausch
Duração: 103 minutos
País: Alemanha, França, Reino Unido

Nota: 8

segunda-feira, 19 de março de 2012

Fogo na Bomba: Guerra É Guerra X Amizade Colorida: Moralismo de gênero

A seção Fogo na Bomba é destinada a discutir os finais de filmes. Portanto, só prossiga se não tiver problemas em sabê-lo...

Spoilerômetro: (?)


Nos últimos anos a comédia romântica, um dos gêneros mais tradicionais do cinema estadunidense, tenta se reformular para ficar mais alinhada com o comportamento contemporâneo. Guerra É Guerra (This Means War) está nessa frente, mas falha no último momento.

Lauren (Reese Witherspoon, de Água para Elefantes) está dividida entre dois amores, FDR (Chris Pine, de Incontrolável) e Tuck (Tom Hardy, de O Espião que Sabia Demais). O que ela não sabe é que os dois são grandes amigos e trabalham juntos como agentes da CIA. Em sua indecisão, Lauren mantém encontros românticos com ambos.


Como em outros filmes atuais, o primeiro beijo não é a grande cena. Lauren troca carícias com os dois pretendentes e o que interessa é por qual deles ela irá se apaixonar. Toda essa modernidade aparente cai por terra quando, no final, a mocinha termina com o único com o qual teve uma relação sexual.

Em outras comédias recentes, a protagonista não perde tempo em ir para a cama. Em Sexo sem Compromisso e O Amor e Outras Drogas é isso o que acontece, mas o exemplo que mais se opõe ao puritanismo de Guerra É Guerra está em Amizade Colorida (Friends with Benefits).


Nele, a personagem vivida por Mila Kunis (Cisne Negro) mantém um relacionamento puramente sexual com o personagem de Justin Timberlake (A Rede Social). Em dado momento, a moça decide engrenar em um namoro mais tradicional com outro sujeito. Ela vai para a cama com ele e depois sofre uma desilusão.

Amizade Colorida não teve medo de mostrar uma mulher segura o suficiente para ter relações sexuais com mais de um homem. Por outro lado, o roteiro de Guerra É Guerra foi bem mais medroso e deu um jeito bobo de deixar claro que a pseudo-modernete Lauren foi às vias de fato com apenas um de seus candidatos a namorado.

quinta-feira, 8 de março de 2012

O Pacto: Caos e princípios

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro:  (?)


Gêneros cinematográficos ajudam o espectador a escolher qual será a diversão escolhida para a próxima sessão. Por outro lado, as diversas fórmulas consagradas com o passar das décadas podem se mostrar uma verdadeira prisão para os realizadores.

O Pacto (Seeking Justice) segue piamente os preceitos do filme policial, mas felizmente consegue temperar seu enredo com algum diferencial. A premissa é a mesma que iniciou a franquia Desejo de Matar (1974-94): um homem comum sofre uma tragédia pessoal e as consequências dos acontecimentos colocam o protagonista em contato com o submundo violento.

O tal homem comum é o professor Will Gerard (Nicolas Cage, de Motoqueiro Fantasma 2). Certa noite sua esposa (January Jones, de X-Men: Primeira Classe) é atacada e estuprada. Enquanto aguarda pela recuperação da amada no hospital, Will é abordado pelo misterioso Simon (Guy Pierce, de Não Tenha Medo do Escuro).

O estranho faz um proposta: Will deixa que a organização que Simon representa cuide da punição ao criminoso em troca de um favor no futuro. Depois de alguma resistência, Will aceita e em pouco tempo o estuprador é assassinado.


Os problemas do protagonista aumentam quando a organização cobra o favor de Will e ele percebe ser incapaz de suportar o estresse da situação. O professor deve ajudar a eliminar um criminoso sexual, mas Will não consegue dar cabo da missão.

Nos pontos em que O Pacto agarra-se ao formado do gênero o filme exibe elementos até previsíveis. Por outro lado, o diferencial está na mensagem transmitida.

A trama se passa em Nova Orleans, uma cidade em que a lei não é respeitada. Especialmente depois da destruição causada pelo furacão Katrina, o caos se instalou na região. Sem uma ordem social clara, os princípios dos cidadãos também ficam nebulosos. É aí que um homem de bem aceita encomendar a morte de um desconhecido.

A perda dos princípios abre uma janela narrativa para que O Pacto tenha alguma surpresa em sua história. Assim, o enredo é desenvolvido com vigor e de forma envolvente.


O Pacto (Seeking Justice)
Direção: Roger Donaldson
Roteiro: Robert Tannen
Elenco: Nicolas Cage, January Jones, Guy Pearce, Jennifer Carpenter, Harold Perrineau
Duração: 105 minutos
País: EUA

Nota: 5

quarta-feira, 7 de março de 2012

John Carter: Breve histórico do 3D

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro:  (?)


Nos últimos anos a projeção em 3D foi vista pela indústria cinematográfica como uma tábua de salvação. John Carter – Entre Dois Mundos (John Carter) é um filme que resume as manobras tomadas por essa indústria nesse assunto.

O longa narra as aventuras de um veterano da Guerra Civil Americana (Taylor Kitsch, de X-Men Origens: Wolverine) que vai parar em Marte. Lá ele descobre um mundo em guerra e encontra uma princesa (Lynn Collins, de Número 23) que pedirá sua ajuda para apaziguar a situação.

O maior sucesso de bilheteria entre os filmes 3D também conta a história de um terráqueo com a missão de salvar um povo alienígena. Em Avatar, o protagonista entra em contato com um povo gigante e selvagem. Em John Carter, essa civilização tem a pele esverdeada. Coincidentemente ou não, em uma determinada cena o herói é banhado pelo sangue azulado de um inimigo. Nesse momento sua pele fica com a mesma tonalidade dos Na'Vis de Pandora.


John Carter apela nas semelhanças com Avatar para atrair público, já que suas próprias qualidades não passam do mediano. O filme é um típica atração da Sessão da Tarde e seria esquecido pelas pessoas no circuito de cinema, uma vez que não há rostos muito conhecidos na tela.

Nesse ponto entra a exploração de mais um recurso recorrente na indústria: histórias medianas ganham sobrevida por causa da projeção em estereoscopia. Os efeitos em 3D são banais e, em algumas cenas, praticamente imperceptíveis. No entanto, estão lá para encarecer o ingresso.

Se o plano da Disney é criar uma nova franquia, é necessário esforçar-se mais nas próximas empreitadas marcianas.


John Carter – Entre Dois Mundos (John Carter)
Direção: Andrew Stanton
Roteiro: Andrew Stanton, Mark Andrews, Michael Chabon
Elenco: Taylor Kitsch, Lynn Collins, Samantha Morton, Willem Dafoe, Thomas Haden Church, Mark Strong, Ciarán Hinds, Dominic West, James Purefoy, Bryan Cranston, Polly Walker, Daryl Sabara
Duração: 132 minutos
País: EUA

Nota: 5

W.E.: Elegância sem emoção

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro:  (?)


Em O Discurso do Rei, a história de amor entre o príncipe Edward da Inglaterra e a americana Wallis Simpson foi um capítulo importante na vida do rei gago. O romance proibido recebe agora o tratamento de tema central em W.E. – O Romance do Século (W.E.). No novo filme, o casal é vivido por James D'Arcy (Reflexos da Inocência) e Andrea Riseborough (Não Me Abandone Jamais).

A direção desempenhada por Madonna usa de toda a elegância possível para narrar o amor entre os dois. O principal problema do filme é que, na busca desenfreada pelo elegante, se esquece da emoção inerente ao enredo.Por outro lado, os pontos positivos estão no figurino e na direção de arte.


Paralelamente à história de Wallis e Edward, o filme narra os conflitos contemporâneos de Wally (Abbie Cornish, de Sucker Punch), uma mulher que desistiu de sua carreira por causa do marido (Richard Coyle, Príncipe da Pérsia). Apesar da renúncia de Wally, William não dá o devido valor à sua esposa. Ele dedica todo seu tempo ao trabalho e ao adultério. Com isso, Wally se aproxima de Evgeni (Oscar Isaac, de Drive), segurança em um museu que exibe peças originais de Wallis Simpson.

O filme traça óbvios paralelos entre as duas tramas, mas às vezes força a barra. O resultado são cenas belas, mas insípidas. Um exemplo disso é a carência de cenas de sexo impactantes, que deem vazão à paixão dos personagens.

Para os fãs de Madonna, por tudo o que ela representa além do mundo da música, W.E. oferece um espetáculo visual (em momentos que lembram propaganda de perfume ou trechos de videoclipes). No entanto, para quem quer ver uma intensa história de amor, o filme não convence.


W.E. – O Romance do Século (W.E.)
Direção: Madonna
Roteiro: Madonna, Alek Keshishian
Elenco: Abbie Cornish, Andrea Riseborough, James D'Arcy, Oscar Isaac, Richard Coyle
Duração: 119 minutos
País: Reino Unido

Nota: 4

Dica: Para mais informações sobre a realeza inglesa no início do século XX, confira o livro O Discurso do Rei.

terça-feira, 6 de março de 2012

Entrevista: Anderson Silva: Como Água: “Fora do papel de vilão”

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro: (?)


O MMA é a mais nova febre esportiva a desembarcar em terras brasileiras e seu maior ídolo é o campeão Anderson Silva. A primeira preparação do lutador realizada fora no Brasil é o tema do documentário Anderson Silva: Como Água (Like Water).

Os treinamentos realizados nos Estados Unidos foram para a luta contra Chael Sonnen. O combate foi vencido pelo brasileiro, mas o desfecho esportivo não foi um determinante para a realização do filme. “O documentário ia sair de qualquer forma, se eu ganhasse ou não”, garantiu Anderson em entrevista coletiva em São Paulo.

O documentarista Pablo Croce e sua equipe entraram na academia em que Silva se preparava para a luta. “Eu estava sendo filmado e não estava ligando para as câmeras, tanto que eu falo umas bobagens”, disse Anderson. “Tenho plena certeza de que fui eu mesmo”.

A trilha que acompanha Como Água contém as mesmas canções que Anderson utiliza para se concentrar antes de entrar no ringue. “A trilha tem tudo a ver com minha concentração”, disse.


O resultado final é um honesto registro dos bastidores dos esportes de combate. “Eu fiquei muito feliz de me ver no cinema fora do papel de vilão”, afirmou Anderson. “O filme vai servir para as pessoas se identificarem com alguma coisa”.

Além da parte atlética, o documentário dedica cenas para mostrar o lado espetáculo do UFC. Nessa faceta, Anderson confessa que sente alguma dificuldade. “Você tem que estar preparado para as duas coisas, lutar e promover o esporte”, declarou. “Mas eu gosto de fazer o que eu faço de melhor, que é lutar no octógono”.

Entre as manobras de entretenimento do esporte destaca-se as provocações entre atletas. Sonnen explorou à exaustão a troca de ofensas para ganhar espaço na mídia e o filme exibe alguns dos absurdos ditos pelo rival de Anderson. “Ele foi muito infeliz nos comentários”, reflete o lutador brasileiro. “Ele tinha que ser mais respeitoso”.

Questionado se Como Água marcaria o início da carreira de Anderson Silva como ator, o atleta deu sinais de que ele ainda será muito visto fora do ringue. “Ator eu já sou”, afirmou. “Tem um filme que a gente está terminando de rodar que se chama Cleopatra X”. Mesmo assim, o octógono ainda é o lugar onde o coração de Anderson está. “Entre ator e lutador, eu prefiro lutar que é mais fácil”.


Anderson Silva: Como Água (Like Water)
Direção: Pablo Croce
Roteiro: Ramon Lemos, Lyoto Machida, Damaso Pereira, Ed Soares
Elenco: Anderson Silva, Jose Aldo, Junior Dos Santos, Ramon Lemos, Lyoto Machida, Damaso Pereira, Ed Soares, Chael Sonnen
Duração: 76 minutos
País: EUA

Nota: 5

quinta-feira, 1 de março de 2012

Poder sem Limites x Projeto X: Câmera da moda

 por Edu Fernandes

Spoilerômetro:  (?)


Em 1999, A Bruxa de Blair deu o pontapé inicial em uma tendência cinematográfica que reverbera até hoje: o uso de câmera operado por um dos personagens do filme. A ideia é dar maior grau de realismo para a história, mesmo quando lida com fantasia. Atualmente esse recurso estético-narrativo foi empregado em dois filmes para platéias jovens.

Em Poder sem Limites (Chronicle), a câmera ativa é apenas mais um dos ingredientes da receita vamos-pegar-tudo-que-faz-sucesso-e-colocar-em-um-filme-só. A história é sobre três estudantes que adquirem poderes de telecinese.

Andrew (Dane DeHaan, da série In Treatment), o personagem principal, sofre nos corredores da escola com o assédio dos outros alunos. Quando chega a sua casa, a situação não melhora: a mãe (Bo Petersen, de Frente a Frente com o Inimigo) sofre de câncer e o pai (Michael Kelly, de Os Agentes do Destino) é um alcoólatra.


Na primeira cena imaginamos que a razão pela qual Andrew carrega sua câmera para todo lado seja exatamente para colher provas contra seu pai agressivo. No entanto, o jovem faz gravações até no colégio, sem qualquer explicação do porquê do registro.

Poder sem Limites desperdiça toda sua energia criativa para explicar porque há uma câmera presente em cada uma de suas cenas. Com isso, não sobra fôlego para contar uma boa história ou investir em personagens interessantes.

Projeto X – Uma Festa Fora de Controle (Project X) usa a câmera documental em uma típica comédia juvenil. O filme se passa no aniversário de Thomas (Thomas Mann, de Se Enlouquecer, Não Se Apaixone) e sua festa é a razão pela qual as câmeras estão ligadas.


Dessa vez há um motivo, mas a estética não se preocupa em manter o realismo. As edições de imagem e de som não condizem com um registro feito em tempo real. Portanto, fica claro que se trata de uma obra de ficção – o que é irônico, uma vez que a fita é inspirada em uma festa real que aconteceu na Austrália.

O número de convidados é bem maior do que Thomas esperava e não demora muito para a festa sair do controle. Por esse motivo, quem tem mania de limpeza e organização deve passar longe de Projeto X.

No fim das contas, os dois filmes poderiam ter sido realizados sem o uso da câmera diegética (que faz parte da história). Aparentemente a escolha dessa linguagem é meramente uma ânsia de entrar na moda, de maneira semelhante a dos programas televisivos que copiam fórmulas da concorrência (seja números de dança ou uso de vídeos da internet) sem qualquer adaptação para suas particularidades.